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27 de junho de 2011

Aprender da, na e a Praça XV

Kathia Simone Amon da Silva
Praça XV quando não era ainda uma praça, em 1620
          Buscar definir estes três conceitos é um exercício difícil, pois nos força a buscar um olhar incomum, um olhar mais profundo e diferenciado do que é aprender e o que é a cidade. Quando penso na palavra aprender, me reporto logo a escola, até porque quando vamos ingressar na escola, nos dizem assim: “Agora você vai aprender!”. Superar então esta visão limitada de aprender é um desafio, mas é também um prazeroso redescobrir o que pensávamos já conhecer.
          Escolhi a praça XV para minha análise sobre esses três aspectos de aprender, porque foi lá que tomei conhecimento destas diferentes formas de olhar a cidade e aprendê-la.
          Pensando sobre o primeiro aspecto a ser analisando, o aprender na cidade como um espaço de educação mais formal, posso destacar o Paço Imperial com suas exposições, sua história, sua livraria; e o Museu Tiradentes (ALERJ) que possui visita guiada sobre sua história política (não está propriamente na praça, mas fica logo ao lado do Paço). Destaco também a Igreja do Carmo e a Capela  da Ordem 3ª, que também fazem visita guiada (por “coroinhas”, aspirantes a padre) contando a história da igreja e os fatos importantes ocorridos nela, como o batismo da Princesa Isabel. A estação das Barcas também é um espaço educativo, pois a imponência de sua arquitetura desperta o interesse por sua história , como o início do transporte de barcos entre Rio e Niterói em 1835. Temos também o Chafariz da Pirâmide, importante por seu caráter utilitário, pois abastecia de água a população e os barcos que chegavam ao cais. O sobrado dos Telles também é uma construção de importância histórica, pois abaixo dela está o arco do Telles, passagem que foi feita para dar acesso à Travessa do Comércio.
          É importante destacar uma construção recente que ao meu ver é importante como um espaço de aprendizagem que é o prédio da Bolsa de Valores, atualmente desativado, o que significou uma grande perda para o Rio de Janeiro. Não posso me esquecer das estátuas da praça. A primeira é do General Osório,  confeccionada com os canhões da Guerra do Paraguai; a segunda é de D. João VI, dada pelo governo de Portugal no ano de 1965 em comemoração ao quarto centenário da cidade do Rio de Janeiro. Finalmente o próprio nome da praça sugere educação, sugere perguntas e interesse por sua história. Eu mesma já me perguntei o porquê de seu nome a meu pai, quando ainda não compreendia o significado da palavra república.
Chafariz do mestre Valentim com a Bolsa de Valores ao fundo mostram a Praça XV em dois tempos bem distantes um do outro, mas ambos estão igualmente desativados
O Arco do Telles é uma espécie de túnel do tempo. Um lugar sem carros com prédios sem elevadores. É a Praça XV profunda.
          A Praça também é espaço do aprender da cidade, pois ela nos leva a um comportamento próprio daquele espaço. Por ser público, não fazemos ali coisas que só faríamos em casa. Por outro lado, as pessoas vão a este espaço com alguns objetivos pessoais, como comer o lanche antes de voltar ao trabalho, sentar-se para descansar do almoço, como ponto de encontro por ser um local bastante conhecido, como moradia - no caso dos mendigos -, para namorar, por ser amplo com vários locais para se recostar, simplesmente como passagem, para fugir de aglomerações, como lugar de reflexão, para quem quer estar só sem estar literalmente sozinho, pra bater um papo, ler um jornal, falar mal do governo. Infelizmente, a Praça é também um lugar de jogar o cigarro ou qualquer outro lixo no chão ou até mesmo fazer xixi numa arvore ou cantinho discreto na hora do aperto. É um lugar de acesso às barcas, um lugar pra ficar atento devido à possibilidade de ser assaltado, um lugar com segurança pela presença de guardas municipais e até PMs (nem sempre), lugar para conhecer o passado por tantas referências concretas, lugar de camelôs (apesar da repressão). Quantas coisas mais podemos dizer deste lugar de tão vastas informações, de tão vastas vivências? Talvez para alguns seja um lugar desagradável, mal cheiroso, perigoso, indiferente, chato; e para outros, lugar de romance (secreto ou não), de prazer, alegria, de sustento (trabalho formal ou informal). Só posso pensar como Piaget, o conhecimento se dá na interação do sujeito com o objeto, então esse aprender da cidade se dá de acordo com a sua (cidadão) interação com este meio (cidade). Como você se porta, se utiliza, propriamente convive com ele; sua freqüência, permanência e suas concepções pessoais em relação a ele, ditarão a sua forma de aprender deste lugar.
Feira de antiguidades e outros trecos na Praça XV aos sábados
          Finalmente quero falar sobre o aprender a cidade, a minha leitura própria deste lugar. Quero mostrar a importância que a Praça XV tem pra mim. Eu a vejo como um espaço capaz de me reportar a outras épocas, minha imaginação voa quando estou aqui, fico todo o tempo tentando me colocar historicamente neste espaço, como seria minha vida se vivesse no século XVII, quem eu seria (escrava provavelmente, dada minha origem familiar). Veria a realeza ou  presenciaria os momentos históricos acontecidos aqui? Como seria minha visão deste lugar se vivesse naquela época, pensaria do mesmo modo? Tento pensar em todas as mudanças ocorridas neste espaço, tanto físicas quanto sociais.
          Fico também a contemplar o comportamento das pessoas, algo que sempre fiz, mas não com a clareza que faço agora, essa busca de tentar compreender os atos dos outros, sua relação com o lugar e as pessoas neste lugar. Sempre observo os casais, pensando se são casados, namorados, amantes. Observo seu comportamento, se é apaixonado, distante, ardente ou conflitante, e então concluo se estão brigando, encontrando-se escondido, passeando... Penso também sobre suas condições de vida, sua origem, o porque de estarem ali. Às vezes acho que não sou estranha por pensar assim. Fico analisando o comportamento das pessoas e pensando numa alternativa para melhorar suas vidas, principalmente quando as vejo em dificuldades. Quando vejo um mendigo, penso logo o que o levou até este estado? Será que sua vida sempre foi assim? Será que já teve algum ofício? O que poderíamos fazer como cidadãos para ajudar essas pessoas? Porque ele escolheu este lugar para ficar, o que este espaço lhe oferece par que queira permanecer aqui?
          Este espaço público, como outros é divino e cruel, tem seu lado especialmente belo, mas também um lado injusto, indiferente, excludente, que faz o cidadão esquecer-se de quem é, esquecer-se do outro. Precisamos reeducar o olhar, sairmos de nossas redomas de proteção, permitir-nos enxergar o outro com suas alegrias, tristezas, dificuldades e angústias. Precisamos sair de nossa solidão confortável, para estarmos juntos com o outro, mesmo que isto venha a nos incomodar, pois só assim o homem age, modifica, progride, desenvolve, transcende.
Praça XV em 2002, com o viaduto a lhe cortar a feição. E em 2022, como estará?

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