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27 de novembro de 2012

Não esqueçam de Olaria

Ariadny Stewart Santos Dias
          Senti o desejo de conhecer um pouco mais sobre os locais que transito todos os dias. Para minha surpresa descobri coisas fascinantes. Óbvio que eu tinha conhecimento da origem do bairro em que resido mas não sabia que a origem do nome "Olaria" deu-se em virtude dos senhores de engenho que mantinham no local inúmeros desses fornos. A primeira olaria foi construída em 1821, no século XIX, por iniciativa da família Ferreira, aproveitando a abundância de barro oriundo do Morro do Alemão, pertencente àquela época a uma única família.
          Eu também não tinha conhecimento do antigo cinema no bairro de Ramos em cujo prédio passo em frente todos os dias. Descobri também a origem dos nomes das ruas do bairro de Bonsucesso. Por volta de 1914, o engenheiro Guilherme Maxwell, que adquirira as terras do antigo Engenho da Pedra, decidiu loteá-las e urbanizá-las. Sob influência da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), decidiu batizar os logradouros recém-abertos com nomes que homenageassem os países aliados contra a Alemanha: a França, a Inglaterra, a Bélgica, a Itália e os Estados Unidos da América. Surgiram assim a praça das Nações e as avenidas Paris, Londres, Bruxelas, Roma e Nova Iorque.
          Ao realizar essas pesquisas, percebi que a história dos bairros vão sendo esquecidas com o passar do tempo, e que as pessoas não têm noção da encantadora história dos lugares da sua cidade. Será que as pessoas que cruzam a avenida Brasil percebem a importância da Fundação Oswaldo Cruz, do seu papel na reforma sanitária que expulsou a epidemia de peste bubônica e da febre amarela da cidade? E de sua importância na produção de vacinas usadas até hoje?
Avenida Brasil em três tempos
1941: construção da avenida Brasil, nas proximidades da atual Fundação Osvaldo Cruz. Foto: FilhosDaDonaLeopoldina
Anos 1960. Ao fundo, o Instituto Osvaldo Cruz. Foto: FilhosDaDonaLeopoldina 

Em 1974, na foto de Marinaldo Jr.
Fonte: onibusbrasileiro
          E a Fábrica de Sabão Português? Será que alguém olha para aquela construção fundada em 1922, que resiste ao tempo vendo o progresso passar por todos os lados? Outras construções também vão sendo esquecidas ao longo da avenida Brasil, prédios enormes cheios de histórias e mitos.
A Fábrica em 1974. Foto: Luiz_D
Time do Olaria, 1971
Em maio de 1956, Pixinguinha recebeu uma homenagem do prefeito Negrão de Lima com uma rua com seu nome: Rua Pixinguinha, no bairro de Olaria, na cidade do Rio de Janeiro, onde morava. Fonte: Instituto Moreira Salles
A cidade cresce mas a sua história não pode morrer com a evolução.

19 de novembro de 2012

Por onde ecoa a dor dos Guaranis Kaiowás

Marcia Fernandes
Impossível ficar neutro com o que vem ocorrendo com os indígenas brasileiros. Só em 2011 foram 56 conflitos (os registrados, pela Comissão Pastoral da Terra) em 16 estados, com 101 indígenas mortos, a maioria líderes de etnias. Há 48 registros de ameaças de morte (dados do CIMI). E o caso mais grave é da etnia Guarani-kaiowá e Nandevá. São 170 índígenas da comunidade de Pyelito Kue Mbrakay, habitantes das margens do rio Hovy que lutam por 2 hectares de terra numa fazenda de 700 hectares no Mato Grosso. 

Sem justiça, passando fome, sem dignidade, sendo ameaçados e mortos (há inclusive testemunho de uma jovem indígena estuprada por pistoleiros), se suicidando por falta de opção de vida já que lhes vem sendo negado o direito de ficar na terra em que seus ancestrais estão enterrados há séculos. Em desespero, anunciaram um suicídio coletivo em uma carta que pediam à Justiça Brasileira para decretar sua morte, dizimação e extinção total.

A carta ganhou o Brasil e o Mundo. E a coisa explodiu, mas a luta dos Guaranis Kaiowás é travada desde 1978. Assim como outras etnias como é o caso dos Pataxós na Bahia. Mas infelizmente as coisas só tomam projeção quando atravessam as fronteiras do país. Aí você pergunta. O que eu posso fazer? O que podemos fazer para ajudar os Guaranis Kaiowás e outras etnias é aproveitar as Redes Sociais para divulgar a falta de dignidade, o abuso, os crimes, a falta de respeitos aos povos originários. Foi na rede que a carta dos Guaranis Kaiowás foi amplamente divulgada e lida. 

Foram a projeção e a força da mídia nos cantos do mundo que mobilizaram a Justiça Brasileira, a secretaria dos Direitos Humanos, o ministro da Justiça a ouvirem o grito dos Kaiowás. E a começarem a fazer o que já deveria ter sido feito há muito tempo. Os que se consideram os donos da terra (fazendeiros) insistem que a terra os pertence. A soja, e a cana de açúcar são mais produtivas e importantes. Afinal, o Mato Grosso é o estado do agronegócio, modelo para o Brasil todo, mas modelo também de violência indígena. Para saírem das terras, os fazendeiros exigem que lhes sejam pago uma indenização pelas benfeitorias e pelo valor que a terra alcançou. E como opção sugerem que seja dado aos indígenas as terras da União que somam 200 mil hectares. Enfim! Quem quer perder? Mas essa é uma guerra perigosa, profunda e só quem perde e morre são os indígenas. Uma guerra que só explodiu para o mundo e fez com que milhares de pessoas pelas Redes se declarassem pelos Guaranis Kaiowás diante do prenúncio de seu suicídio coletivo.

Este artigo tem como objetivo pedir que acompanhemos os acontecimentos e que tenhamos o discernimento de ler as notícias por lentes diferentes das dos meios de comunicação dominantes que mostram e divulgam só o que desejam que saibamos. Ajudemos divulgando em nossas páginas a ferida que sangra nesse momento que é a dos Kaiowás, mas nos coloquemos vigilantes para essa ferida que é muito mais profunda e atinge uma séria questão no Brasil há mais de 500 anos: a questão latifundiária e a demarcação das terras indígenas. Palavras como Território, Territorialidade, Homologação, Reforma, Questão Fundiária e Oliguarquias Rurais ganham maior peso quando acompanhadas de mortes, suicídios, negação de direitos, entre outras questões. A coisa é muito séria. Fiquemos de olhos bem abertos!
Ontem foi o Dia Nacional em Defesa ao povo Guarani Kaiowá. Em várias cidades do Brasil aconteceram protestos e abraços ao povo guarani. Participei da passeata com o grupo da Aldeia Maracanã que reivindica a não demolição do Antigo Museu do Índio e denuncia as demolições no entorno do Maracanã, como a Escola Municipal Friedenreich e o Parque Aquático Julio Delamare. Que governo é esse que não respeita a Escola, o Esporte e a Cultura Indígena como direitos dos cidadãos?

17 de novembro de 2012

O espelho de Jafar e o retorno à casa

          No filme "O espelho"  de Jafar Panahi, o espectador presencia a reviravolta no roteiro que conta a epopeia de uma menina, cuja mãe não apareceu na saída da escola, em sua tentativa de voltar sozinha para a casa. O inesperado acontece quando a pequena atriz, cansada de "brincar de ser atriz", resolve definitivamente parar de atuar. Sua decisão é irrevogável e inegociável: quer voltar para a sua casa. Recusa-se a conversar com o diretor e, aos berros para uma mulher que faz parte da equipe e parece ser a responsável por ela no set de filmagens, afirma conhecer o caminho de volta e querer ir embora, sozinha. Enquanto isso, tudo está sendo filmado por uma câmera de prontidão, em virtude provavelmente da realização do making of do filme. O toque de ousadia do cineasta e de sua equipe é dado pela decisão de deixar a menina ir, acompanhando-a de longe, sempre filmando-a, em seu retorno à casa.
          Como ela sai intempestivamente do set, pondo-se a caminhar com passos firmes, leva um microfone de lapela, e esse registra os sons que a rodeiam e grava os diálogos que ela trava com transeuntes e com um guarda. São conversas, vozes diversas, ruídos da cidade de Teerã, em meio a um trânsito caótico, avenidas e largas ruas de mão dupla, lotadas de gente e de carros, de ônibus e de veículos de lotação. Custa-se a crer que o que então passamos a observar esteja mesmo sendo documentado em tempo real. A precariedade dos recursos, no entanto, reitera essa perspectiva. Aquilo que vemos está acontecendo "de verdade". Em alguns ângulos, em diversos momentos, perde-se a menina de vista, por exemplo.
         De fato, a pequena atriz enfrenta a cidade de modo quase idêntico à personagem que interpretava e que assistíamos nas sequências iniciais do filme. Há cenas praticamente iguais, como a da cabine telefônica, dentro da qual a menina tem de fazer uma escalada para chegar até o telefone pendurado no alto, e com grande esforço, equilibrando-se, conseguir ligar para a sua casa, a fim de tirar dúvidas quanto ao itinerário com o irmão, já que a mãe não se encontra. Na ficção e na realidade, os adultos na rua comportam-se ambiguamente. Há manifestações de desvelo e preocupação com a menina perdida, mas também de pressa em despacha-la e de indiferença.
          De lado de cá, nós público ocidental estranhamos toda a situação. A língua, as roupas, as relações adulto-criança, criança-cidade, reforçam essa sensação de estranhamento. Por um lado, parece incrível que se deixe uma criança caminhar sozinha no meio de tantos perigos reforçados pela falta de sinais de trânsito, de travessias de ruas super movimentadas, de homens, sejam eles motoristas, transeuntes, guardas ou vendedores ambulantes; por outro, a situação parece algo familiar, já que também existem inúmeras crianças soltas na cidade do lado de cá. Em nossos pensamentos, assalta a desconfiança de que em cada homem com quem a menina conversa possa existir um pedófilo, um bandido.
       Mas não, nada desse teor acontece. O sofrimento da menina vem mesmo do medo, da insegurança, da sensação de solidão e abandono, inerentes à cidade, tal como ela normalmente funciona. A questão importante em toda essa história não reside portanto na narração de acontecimentos espetaculares, que chamariam a atenção da mídia, mas da situação especular que se apresenta sem premeditação e de modo gratuito no cotidiano.
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Se nos voltarmos então para uma outra situação os reflexos entre as imagens projetadas por um eu-branco e um ele-índio/negro  --> o que é possível concluir? Coloquemo-nos como aquele que acompanha os movimentos de um cidadão singular, morador da cidade do Rio de Janeiro, sobre o qual ficcionamos uma vida cheia de obstáculos, aflitivos e sofridos.

A reviravolta acontece quando nos apercebemos  que, no esforço de imaginar esse outro no contexto urbano, dimensionado para a perpetuação de uma cultura que o ignora, nos abrimos para a escuta do que a imagem diz,  e para a realização do imaginário.

Porém, não tendo sido brindada com uma situação similar ao do diretor iraniano (ou talvez não tendo a acuidade para percebe-la), ou seja, não podendo comprovar a provável identidade entre o imaginado e o vivido,  registro momentos em que a oportunidade pode surgir, na interação com cidadãos singulares em seu contexto cotidiano.

Reconheço-me na imagem de uma mulher frente ao espelho à procura de um caminho, a refletir um apanhado de desejos flutuantes, indefiníveis e múltiplos, referentes à possibilidade de mostrar uma outra cultura, um outro olhar, outros valores, sentimentos, percepções.

Essa mulher precisa deixar de se limitar em ser um corpo dado, acabado e padronizado por uma cultura que invisibiliza cidadãos indesejáveis, para ser um espelho de prontidão, como uma câmera pronta para filmar o inesperado, a reviravolta. Ou seja; depois da recusa de continuar sendo uma atriz e de representar um roteiro pré-definido, a mulher retorna em direção à casa.

Onde fica essa casa? Na linguagem, que aparece pelo andar, falar, dizer. E no que se aposta afinal? Que essa linguagem confirme a presença tangível do que se imagina, ou pelo menos, que ela confirme a força da imaginação. Parodiando Descartes, ao imaginar, existe-se (sob uma multiplicidade de modos de ser).
Indiara com sua maquiagem e figurino de parteira, pronta para a gravação da novela Uga-uga
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A questão que se impõe é o que se imagina agora. O desafio está em imaginar, por exemplo, uma cidade acolhedora não só de desejos de governantes, comerciantes, investidores, motoristas e consumidores. Tal qual a menina do filme "O espelho", de Panahi – que, meio perdida na cidade e com base em detalhes provenientes de lembranças, fragmentos de sua memória dos lugares, procura sua casa – sabemos que para existir um recanto bom de habitar devemos lembrar dele, em meio ao caos onde circulamos, na certeza de que o natural é isso mesmo: as ruas tomadas por carros, ocupadas por trabalhadores ou desocupados, excluídos a bem da continuidade do fluxo, do espetáculo.
Bia Albernaz

12 de novembro de 2012

Ser índio no século XXI

Mônica Vallim



Basta ser filho de indígenas e manter-se longe da civilização para ser índio? Ou será preciso aculturar-se para garantir o direito dos povos originários?
Na aproximação com a Aldeia Maracanã, percebe-se que ser índio está além do complexo e amplo sentido de sentir-se ou não um índio no espaço citadino. E tanto pode significar orgulho, quanto distanciamento de sê-lo.

Muitos brasileiros indubitavelmente possuem em sua árvore genealógica resquício de sangue indígena, misturado ao europeu talvez ao africano, afinal, foi assim que se constituiu o povo brasileiro desde a invasão portuguesa em 1500. Embora alguns não tenham sequer noção exata de suas etnias ancestrais, pois a pele branqueou, a história passou a ser o que lhes contaram e o que aprenderam nos livros didáticos – seria por vergonha ou falso orgulho?

A estatura média brasileira também aumentou nas últimas décadas e após sucessivas miscigenações restou o orgulho do sangue europeu nas terras tupiniquins. Para a maioria dos que se declaram brancos, o índio urbano não tem o menor sentido ou valor cultural, principalmente frente aos interesses econômicos e políticos da Copa de 2014.

Mas Mayra, uma indiazinha urbana de uns 12 anos dá mostras pelas redes sociais seu orgulho de ser indígena, fruto de um amor que seria proibido séculos atrás entre as etnias Krikati (mãe) e Guajajara (pai).
Exibe com igual orgulho seu gosto musical juvenil, midiático e o grafismo de jenipapo e carvão da etnia Guajajara, que gera curiosidade aos seus colegas na escola.

   


Sua participação em uma cerimonia da Aldeia Maracanã – “Etnia Guajajara e Etnia Krikatí - DIA DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIA 10 SETEMBRO 2011” – está inclusive disponível no youtube e comentada em blog, celebra publicamente a sua primeira menstruação. Mas ela não se mostra constrangida, ou, como diriam os mais antigos, incomodada.
Com riso farto ostenta o seu uniforme de estudante do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro na Oca do Antigo Museu do Índio. Participa da luta para que naquele pedaço de terra o prédio em ruínas localizado ao lado do Maracanã, seja oficialmente reconhecido como um Centro Cultural Indígena que contemple as várias etnias indígenas e quem sabe ali nasça a primeira universidade indígena do Brasil.

A jovem menina moça parece ser o colóquio aberto e perene entre as culturas indígena e brasileira no contexto urbano. Acultura-se com consciência de sua identidade, direitos, deveres, tradições e língua.

“O direito à cidade manifesta-se como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitá-la e morar. O direito à obra (à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto do direito à propriedade) estão implícitos se no direito à cidade”. (Lefebvre, 1968, p.155)

Espera-se ao término desse breve relato ter contribuído para dar visibilidade aos índios urbanos praticamente sitiados a cada avanço das obras de revitalização do entorno do Maracanã, e seu ideal de defender naquele espaço a luta indígena para a restauração de um patrimônio histórico centenário que é  de todos nós brasileiros. Foi através da resistência da Aldeia Maracanã que nesse pequeno espaço/tempo criou um centro cultural indígena em um não lugar urbano e por meio da obstinação indígena que o prédio do Antigo Museu do Índio ainda se mantém em pé. 

Preservem-se através dos registros online as ações que contribuíram de alguma forma para o cuidado da memória histórica e cultural que apesar da precariedade e  descaso com o bem público ainda persiste como uma resistência política e organizada naquele espaço/território dando voz aos anseios dos povos originários do Brasil e que por conta dessa ocupação pacífica e legal ainda pode ser visitado todos os sábados por escolas e/ou qualquer pessoa interessada na variedade multiétnica, multilinguistica e multicultural de nossos indígenas. 

Além dos muros: percepções da educação transformal


Claudia Vaz e Mônica Vallim












O buraco no muro, vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=Xx8vCy9eloE

5 de novembro de 2012

Aldeia Maracanã

Participei de uma manifestação no último domingo (28/10), no Rio de Janeiro, e filmei uma índia (Zahy Guajajara) que vive na Aldeia Maracanã (ameaçada de sair de lá já que o sr. governador quer derrubar o prédio para construir "melhorias" para a copa de 2014), fazendo um discurso emocionado e esclarecedor. De início, ela fala em tupi-guarani mas depois continua em português. Me levou e levou mais alguns que estavam lá às lágrimas.
Rossana Pinheiro

 e um video da manifestação