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14 de fevereiro de 2014

Aprendendo com os monstros1 - Javier Toret



O encontro "Outros monstros possíveis. Pobres, índios, imigrantes, loucos: Mestiçando a cidade...”,
organizado por Giuseppe Cocco (PPGCO/UFRJ e Universidade Nômade), Lia Calabre (FCRB),
Mauricio Siqueira (FCRB) e Emerson Mehry (UFRJ), acontece na Fundação Casa de Rui Barbosa.

No dia 14 de novembro de 2013, das 14 às 18h, foram convidados para o debate
 Poéticas das redes e das ruas
 Paula Kossatz (Mídia Ativista), Javier Toret (UOC- Barcelona, Espanha), Larissa Bery (Dona Baratinha), Rafaela Miranda Rocha (Coletivo Projetação), Rodrigo Modenesi (Morre Diabo) e Itála Isis (Movimento Cidade Invisíveis).

O que é e como se dá a participação política?
Quais os caminhos possíveis na realização da transformação social no atual contexto histórico, em que o interesse dos bancos e das grandes corporações se sobrepõem aos direitos dos cidadãos já declarados como universais?
Para enfrentar esses monstros, eis outros possíveis.
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Javier Toret – o monstro na rede

Cheguei e Javier Toret já estava com o microfone na mão. Falava super rápido, e em espanhol. Optei por pescar na sua fala alguns termos e anotar todos os endereços na rede por ele mencionados.

Esta postagem  é o resultado de uma pequena pesquisa na rede, partindo das indicações feitas por Javier Toret, em sua apresentação sobre a atuação da assets.outliers (web design, visualização de dados e ensaios cidadãos, segundo o site) nas manifestações populares na Espanha a partir de 2011. 

O termo assets é muito utilizado em gestão de recursos financeiros (assets management) mas a palavra se refere a um universo mais amplo, no qual se incluem as noções de posse de bens ativos, como qualidades e vantagens que extrapolam a visão contábil do mundo, humanizando-a.

Quanto a outlier, aprendi que a expressão vem da estatística, e refere-se à observação de dados amostrais insignificantes porque muito dissonantes. Em geral, nas análises estatísticas, estas observações são descartadas, por destoarem demais da opinião média. Mas, questiona Javier Toret, se são essas as informações que, precisamente, fornecem  os mais valiosos insights e dados mais ricos, mais produtivos para a interpretação da amostra, por que descarta-las?
Bia Albernaz
Os assets.outliers.es trabalham com esses dados nas redes sociais, tornando-os visíveis. De um ponto de vista antropológico, analisam essa diversidade de informações em trânsito nas cidades, e as transformam em dados, nutrindo gráficos e pesquisas que as tradicionais empresas de marketing, voltadas para a pesquisa de opinião e para a montagem de perfis de consumidor, costumam desprezar.
Visor de emoções do dia 15 de maio de 2011. Elaborado por Oscar Marín Miró http://assets.outliers.es/15memociones/
Dessa maneira, traduzem as cidades reais em cidades virtuais, sempre com base no modelo bottom-up. Bottom-up?!
De acordo com a Sebrae, o desenvolvimento “bottom-up” é um modelo complementar (e não oposto) ao modelo “top-down” na geração de trabalho e renda nos municípios brasileiros. De fato, na internet chega-se a vários endereços onde se pode ler a respeito do tal modelo bottom-up, mas apenas em alguns casos a sua menção se dá tendo como pano de fundo um contexto político propriamente dito, tal como citado por Javier Toret. Ao que parece, o modelo está catalogado, nomeado e alastrado, seja como exercício de retórica, com tom propagandístico, seja como jargão ou gancho para facilitar a comunicação. Parece-me que o uso dado por Javier ao termo se encaixa na última hipótese, mas também como se a referência a esse modelo fosse uma bandeira ou um escudo, pelas possibilidades abertas por ele em relação à negociação e à construção de consenso em ações civis. 
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 Agora DRY
Outro termo do jargão de Javier Toret é DRY. Segundo a Wikipédia, trata-se de um acrônimo de Don't repeat yourself. (Em português seria  Não repita a si mesmo”.) Mas isso é no jargão do programador de informações em sistemas.

Pesquisando mais, descobri que DRY é também uma sigla criada no contexto político das manifestações civis na Espanha. Para ampliar a participação, foi criada a plataforma ¡Democracia Real YA! (DRY). Os dados a respeito são fartos e fáceis de encontrar na rede, já que a intenção era justamente essa: possibilitar que as ideias em circulação nas ruas se propagassem em um ambiente de fácil navegação e alta interatividade, para viabilizar uma participação mais ampla, horizontalizada e sem lideranças.
 O movimento na Espanha começou com a ocupação da praça principal em Madri – a Puerta del Sol – em 15 de maio de 2011 e se alastrou para 57 outras cidades. Sua motivação foi denunciar o modo como as grandes empresas e os bancos dominam as tomadas de decisão nas esferas políticas e econômicas, e exercitar a democracia participativa e sem hierarquias. Na plataforma DRY defende-se a democracia direta através de assembleias populares e a busca de consenso.

A inspiração para o DRY foram os avanços obtidos pela população da Islândia em sua crise financeira de 2009, pela Primavera Árabe, pelos protestos na Grécia em 2010 e 2011 e pelas revoluções na Tunísia no mesmo período. Contudo, em abril de 2012, alguns daqueles que iniciaram a plataforma DRY racharam, criando uma organização paralela cujo nome é o mesmo daquela da qual partiram!

Na bibliografia básica dos ativistas do DRY, encontra-se o pequeno tratado de Stéphane Hessel (Indignai-vos), escrito no final de uma trajetória que passou pela Resistência Francesa durante a 2a Guerra Mundial.
O conteúdo do livro pode ser visualizado AQUI.
Também na Espanha, como em protestos em várias partes do mundo, a violência por parte de policiais e de manifestantes se fez e se faz presente, constituindo-se como um fator de desagregação e de abandono de militantes mais pacíficos, temerosos ou cautelosos. Na plataforma DRY, encontra-se um Manifesto que busca transcender a linguagem política das instituições partidárias e sindicais, consideradas pouco confiáveis em nossos dias. A ênfase está na cobrança ao governo para que ele assuma sua responsabilidade diante dos cidadãos, garantindo a todos condições dignas de vida. O Manifesto também critica o consumismo e o hedonismo, que alimentam uma rede perniciosa de endividamento para o indivíduo e de desgaste energético do planeta. Alguns das organizações signatárias do Manifesto são: NoLesVotes; Plataforma de Afectados por la Hipoteca; Asociación Nacional de Desempleados; Juventud Sin Futuro; Attac España; Ecologistas en Acción; Estado del Malestar; Occupy Hispania - Iberia - Lusitania Indignados # Iberian R-Evolution & Unión União Unió Ibérica

A questão é:
indignados em geral não recebem bom tratamento dos governantes,
já que em geral esses são os alvos da indignação.
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Outra noção citada por Javier Toret foi Identidade Coletiva, conceito presente na Psicologia Social, sobretudo quando se trata de entender o que vem a ser a identidade social.  Na Antropologia, o termo também circula. Joseph Jordania, etnomusicólogo, defende que a identidade coletiva foi crucial para a sobrevivência humana diante das forças da seleção natural. De acordo com ele, a identidade coletiva permite a suspensão do medo e da dor dos indivíduos em situações de combate, das quais os humanos não têm a memória. Em situações-limite, a identidade coletiva exacerba-se. São os momentos em que as pessoas se dispõem a perder as suas vidas por um objetivo coletivo, como a sobrevivência de seus filhos ou do seu grupo.

No cotidiano, essa alteração de consciência demonstra-se pela capacidade humana de seguir o ritmo de grandes grupos, como acontece em corais (Jordania é um maestro de corais) ou no carnaval, por exemplo. Nesse estado de Identidade Coletiva, a sobrevivência do grupo se sobrepõe à sobrevivência individual. 

Consciência coletiva é um termo correlato que descreve o cenário em que uma pluralidade de pessoas formam parte de uma rede, como se essa tivesse uma mente própria, parecida com uma colmeia.
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Versão completa do Colóquio
 
No meio dos debates sobre taxa de crescimento do PIB, emergência de uma nova classe média, megaeventos e megaobras, multiplicam-se resistências que se manifestam monstruosamente...

 Como cheguei atrasada, não ouvi a primeira fala, de Paula Kossatz (Mídia Ativista).
Relato de Bia Albernaz